..: E se eu disser que melhor é impossível ? :..

"Tenho me esforçado por não rir das ações humanas, por não odiá-las, nem deplorá-las, mas por entendê-las" -- Espinosa

domingo, dezembro 23, 2007

O Imperialismo Brasileiro

Imagine um turista chegando em um país estrangeiro e reconhecendo nele traços de sua cultura. Os nomes das lojas escritos em sua língua, cartazes com cores de sua bandeira, pessoas vestidas com roupas que lembram artistas de TV de seu país, bem como as músicas da moda nas baladas. Não, não se trata necessariamente de um norte-americano visitando o Brasil.

A reportagem do Fantástico de 23 de setembro transmitida pela Rede Globo mostrou que a situação acima poderia descrever também um brasileiro visitando Angola. Basta colocarmos no lugar do Brad Pitt, o Lázaro Ramos; em vez do cinema holywoodiano, uma novela global e, mantidas as devidas proporções, pode-se perceber um fenômeno idêntido: o domínio cultural que uma nação mais desenvolvida exerce sobre uma mais atrasada. Domínio que não se limita ao campo cultural, mas que também se apresenta na economia e na política.

O fenômeno descrito acima mostra uma nova leitura da realidade brasileira: o Brasil imperialista. Apesar da visão tradicional de que somos colonizados, eternamente dependentes, sempre explorados economicamente pelas nações mais desenvolvidas, cada vez mais o nosso papel nesse cenário se torna ambíguo, a vítima cada vez mais se identifica com seu carrasco. A esse princípio de esquizofrenia nacional vem se somar outros fatos relevantes como, por exemplo, a opinião de líderes de países como a Bolívia, que demonstra claramente a visão de um domínio brasileiro contra o qual se deve lutar (como no caso da nacionalização das unidades da Petrobrás no país).

Surgimos na civilização como uma colônia européia, conseguimos nossa independência política, guerreamos com nossos vizinhos por território, e construímos um país com uma população plural, para qual contribuíram diversos povos imigrantes. Durante toda nossa história nos ufanamos e nos ridicularizamos. Hoje temos multinacionais brasileiras espalhadas pelo mundo, fazemos intervenção militar em um país estrangeiro, nossa cultura-lixo é consumida avidamente pela população de um país pobre, e temos um país vizinho cujo presidente populista luta contra nossa dominação. É irônico. A pergunta que não quer calar é: que país é esse? Afinal, qual o nosso papel na História: exploradores ou explorados? Ou será que há algo de errado com essa classificação marxista de oprimidos e opressores?

Outra pergunta que assalta o espírito é: se o Brasil é imperialista hoje, isso significa que num futuro próximo seremos necessariamente um país desenvolvido? Afinal, não é assim que se explica o desenvolvimento das nações do Primeiro Mundo? Quem é mais imperialista: o Brasil ou a Suécia? O Brasil ou a Finlândia? O Brasil ou a Dinamarca?

Tremei, EUA.

quinta-feira, novembro 15, 2007

Um golpe democrático

"A primeira norma de uma nação livre é de que as leis sejam elaboradas por um grupo de indivíduos e administradas por outro" -- William Paley

Muito se tem falado, nesses últimos dias, sobre a possibilidade de um golpe do governo do PT, com a instalação de uma constituinte. Deixando de lado as especulações políticas e toda essa paranóia, uma questão interessante seria discutir o caráter democrático dessa medida. Porque, se há essa intenção do governo ou não, o fato é que alguns petistas já se defendem dizendo, simploriamente, que "se é democrático, não pode ser um golpe". Eis um erro gravíssimo. O fato de a democracia ser, como diz Churchill, o melhor de todos os sistemas não quer dizer ela pode ser usada indiscriminadamente, para justificar qualquer coisa. Um governo pode ser sim democrático em excesso, e passa a o ser quando, por exemplo, põe em sufrágio popular questões de ordem exclusivamente individual; ou quando coloca em risco as instituições, minando, democraticamente, a própria democracia. No primeiro caso teríamos uma democracia totalitária. No segundo, uma ditadura em gestação.

O dogmatismo democrático do brasileiro como cura para todos os males se justifica desde os anos de chumbo. Com o final dos governos militares, a expectativa da população para com a vitória da democracia era grande. Depois de mais de duas décadas, finalmente teríamos um governo do povo, eleito pelo povo, para o povo. Seria a nossa rendenção. Imaginava-se à época que o simples fato de ter um governo democrático seria solução para todos os problemas. Deu no que deu. Nosso primeiro presidente eleito de forma direta foi ninguém menos que Fernando Collor de Mello. Não poderia haver maior desilusão com a democracia.

Talvez por causa do longo período ditatorial, talvez por razões históricas mais profundas, o fato é que o povo brasileiro não tem uma tradição democrática forte. Isso pode ser observado no próprio dia-a-dia, nas questões cotidianas, nas conversas dentro do ônibus ou nas discussões acadêmicas. Quando sofremos alguma oposição às nossas idéias, tratamos com um respeito performático nosso oposicionista, mas no fundo acharíamos muito melhor se ele pensasse igual a nós (ou seja, se não existisse opositor). A democracia brasileira é assim: a oposição é sempre tolerada como um mal necessário, e nunca vista como um mecanismo bom em si mesmo, como uma antítese capaz de melhorar a tese. Quantos petistas não comemorariam se o PSDB simplesmente deixasse de existir? Quantos esquerdistas não tripudiaram sob a crise de identidade do PFL/DEM? Essa é a nossa frágil democracia.

A democracia é frágil também por ser o único sistema que permite questionar tudo, inclusive ela própria. A democracia pode ser democraticamente questionada, e até mesmo diminuída ou extinta. Ser realmente democrático exige reconhecer alguns limites que protejam a democracia, limites que devem estar acima da opinião pública corrente e consagrados nas instituições. Afinal, se 51% dos brasileiros decidirem viver sob um regime ditatorial, teremos o fim da democracia. Gostaria de saber qual defensor do governo atual não viu a aprovação da reeleição de Fernando Henrique como um ato anti-democrático. O problema não está no fato de mudar "as regras do jogo". O problema está em ser diretamente beneficiado pela mudança. A reeleição de FHC é exemplo claro de uma medida anti-democrática, nascida no seio da democracia. O que vem a ser então a conclamação de uma nova constituinte nesse momento? Algo que pretende fazer não uma nem duas mudanças, mas criar um novo Estado? Como pode ser chamada uma medida anti-democrática que se utiliza da democracia para perpetuar determinado grupo no poder?

Tratar-se-ia sim de um golpe. Democrático, mas ainda um golpe.