..: E se eu disser que melhor é impossível ? :..

"Tenho me esforçado por não rir das ações humanas, por não odiá-las, nem deplorá-las, mas por entendê-las" -- Espinosa

quinta-feira, novembro 15, 2007

Um golpe democrático

"A primeira norma de uma nação livre é de que as leis sejam elaboradas por um grupo de indivíduos e administradas por outro" -- William Paley

Muito se tem falado, nesses últimos dias, sobre a possibilidade de um golpe do governo do PT, com a instalação de uma constituinte. Deixando de lado as especulações políticas e toda essa paranóia, uma questão interessante seria discutir o caráter democrático dessa medida. Porque, se há essa intenção do governo ou não, o fato é que alguns petistas já se defendem dizendo, simploriamente, que "se é democrático, não pode ser um golpe". Eis um erro gravíssimo. O fato de a democracia ser, como diz Churchill, o melhor de todos os sistemas não quer dizer ela pode ser usada indiscriminadamente, para justificar qualquer coisa. Um governo pode ser sim democrático em excesso, e passa a o ser quando, por exemplo, põe em sufrágio popular questões de ordem exclusivamente individual; ou quando coloca em risco as instituições, minando, democraticamente, a própria democracia. No primeiro caso teríamos uma democracia totalitária. No segundo, uma ditadura em gestação.

O dogmatismo democrático do brasileiro como cura para todos os males se justifica desde os anos de chumbo. Com o final dos governos militares, a expectativa da população para com a vitória da democracia era grande. Depois de mais de duas décadas, finalmente teríamos um governo do povo, eleito pelo povo, para o povo. Seria a nossa rendenção. Imaginava-se à época que o simples fato de ter um governo democrático seria solução para todos os problemas. Deu no que deu. Nosso primeiro presidente eleito de forma direta foi ninguém menos que Fernando Collor de Mello. Não poderia haver maior desilusão com a democracia.

Talvez por causa do longo período ditatorial, talvez por razões históricas mais profundas, o fato é que o povo brasileiro não tem uma tradição democrática forte. Isso pode ser observado no próprio dia-a-dia, nas questões cotidianas, nas conversas dentro do ônibus ou nas discussões acadêmicas. Quando sofremos alguma oposição às nossas idéias, tratamos com um respeito performático nosso oposicionista, mas no fundo acharíamos muito melhor se ele pensasse igual a nós (ou seja, se não existisse opositor). A democracia brasileira é assim: a oposição é sempre tolerada como um mal necessário, e nunca vista como um mecanismo bom em si mesmo, como uma antítese capaz de melhorar a tese. Quantos petistas não comemorariam se o PSDB simplesmente deixasse de existir? Quantos esquerdistas não tripudiaram sob a crise de identidade do PFL/DEM? Essa é a nossa frágil democracia.

A democracia é frágil também por ser o único sistema que permite questionar tudo, inclusive ela própria. A democracia pode ser democraticamente questionada, e até mesmo diminuída ou extinta. Ser realmente democrático exige reconhecer alguns limites que protejam a democracia, limites que devem estar acima da opinião pública corrente e consagrados nas instituições. Afinal, se 51% dos brasileiros decidirem viver sob um regime ditatorial, teremos o fim da democracia. Gostaria de saber qual defensor do governo atual não viu a aprovação da reeleição de Fernando Henrique como um ato anti-democrático. O problema não está no fato de mudar "as regras do jogo". O problema está em ser diretamente beneficiado pela mudança. A reeleição de FHC é exemplo claro de uma medida anti-democrática, nascida no seio da democracia. O que vem a ser então a conclamação de uma nova constituinte nesse momento? Algo que pretende fazer não uma nem duas mudanças, mas criar um novo Estado? Como pode ser chamada uma medida anti-democrática que se utiliza da democracia para perpetuar determinado grupo no poder?

Tratar-se-ia sim de um golpe. Democrático, mas ainda um golpe.


1 Comments:

Blogger Nádia Preda said...

uau!

7:13 PM  

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